Vagas PCD em concurso público: como deve ser feita a avaliação da deficiência?

Por Taís Mariana Lima Pereira, advogada

Não são raros os casos de concurseiros que possuem alguma deficiência e são surpreendidos com pareces desfavoráveis pela perícia médica, que resultam no não reconhecimento da deficiência e na sua exclusão do certame.

É preciso que os concurseiros PCD fiquem atentos aos seus direitos para não serem prejudicados por perícias médicas extremamente restritivas, que acabam inviabilizando a sua participação em concursos.

O primeiro ponto a se observar é que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) determina em seu art. 2º, § 1º que a avaliação da deficiência seja biopsicossocial.

Isso significa que a avaliação deverá ser realizada por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, composta não apenas por médicos, mas também por outros profissionais como assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, etc. Isso para que a equipe multiprofissional seja capaz de atestar não apenas questões individuais de saúde, mas também e principalmente o modo como essas questões de saúde interagem com barreiras sociais e podem prejudicar a participação social de uma pessoa com deficiência.

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III – a limitação no desempenho de atividades; e
IV – a restrição de participação. (grifo nosso).

A avaliação biopsicossocial, em detrimento de uma perícia exclusivamente médica, dialoga com o novo conceito de pessoa com deficiência que foi introduzido pela Lei nº 13.146/2015 a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Convenção de Nova Iorque).

Esse novo conceito abandona o modelo exclusivamente médico e adota o modelo social de deficiência. Ou seja, para além das questões individuais de saúde, importa saber como essas questões de saúde repercutem na vida social da pessoa com deficiência, para que ela não seja privada do seu direito de participar ativamente da vida em sociedade e tenha plenamente respeitada a sua cidadania.

Ocorre que muitas vezes as bancas examinadoras de concurso público não respeitam a obrigatoriedade de que a avaliação da deficiência seja biopsicossocial, e acabam excluindo candidatos às vagas PCD a partir de perícias exclusivamente médicas.

Em situações assim, os Tribunais já reconheceram a necessidade de que a avaliação do candidato PCD seja biopsicossocial e anularam a perícia médica que lhe foi desfavorável, determinando a realização de novo exame por equipe multiprofissional. Exemplo disso é o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PSICÓLOGO. VAGA DESTINADA A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO POR EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. 1. No caso dos autos, no procedimento adotado no concurso prestado pelo impetrante para a avaliação de sua condição de pessoa com deficiência, a avaliação foi realizada por um único perito, e não por equipe multidisciplinar, na contramão do que dispõem o § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146/2015 e o art. 5º do Decreto nº 9.508/2018. 2. Em cumprimento à medida liminar, o Impetrante foi submetido a nova avaliação administrativa, desta vez realizada por equipe multiprofissional composta por servidores públicos federais de diversas áreas de conhecimento, a qual concluiu pela confirmação da condição de deficiente por ele sustentada. Desta feita, por intermédio da avaliação retromencionada, estou confirmada na seara administrativa a alegada condição de pessoa com deficiência do Impetrante.
(TRF-4 – REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50006020220204047001 PR 5000602-02.2020.4.04.7001, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 25/08/2020, TERCEIRA TURMA).

Outro importante ponto a ser observado pelos concurseiros PCD, é que a análise da compatibilidade entre a deficiência e o cargo a ser exercido deve ser feita durante o estágio probatório, como determina o art. 43, § 2º, do Decreto nº 3.298/99.

Isso significa que um candidato PCD cuja deficiência foi devidamente reconhecida e que foi aprovado no concurso, não pode ser impedido de ser nomeado e tomar posse sob o argumento de que não teria condições de saúde de exercer o cargo. Esse é o entendimento consolidado do STJ:

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO À VAGA RESERVADA PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VERIFICAÇÃO PRÉVIA DA COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA. ELIMINAÇÃO PRECOCE. IMPOSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 43, § 2º, DO DECRETO N. 3.298/99. AFERIÇÃO DA COMPATIBILIDADE APENAS DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO. PREVALÊNCIA DA NORMATIZAÇÃO FEDERAL FRENTE À CONTRÁRIA LEGISLAÇÃO DOMÉSTICA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A concessão de mandado de segurança pressupõe a violação de direito líquido e certo da parte impetrante, decorrente de ato ilegal ou abusivo de autoridade, sendo a violação do direito comumente resultante da recusa em se aplicar a lei nos casos em que ela deve incidir ou da sua equivocada aplicação em hipóteses nas quais ela não tem incidência. 2. Versam os autos sobre concurso para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário do TJ/SP, sendo que o candidato impetrante, ora recorrente, é pessoa com deficiência, padecendo de miopatia congênita, distúrbio hereditário responsável pela redução da força muscular que, no caso, lhe impõe o uso de cadeira de rodas. 3. Tendo sido aprovado nas duas primeiras etapas do certame (provas objetiva e de digitação), foi submetido à perícia médica, quando os profissionais de saúde averbaram a não compatibilidade da deficiência do candidato com as atribuições do cargo, o que resultou na sua exclusão da lista de classificados para as vagas reservadas para pessoas com deficiência, a teor do disposto no art. 3º da Lei Complementar Estadual n. 683/1992 e nas cláusulas do respectivo edital, sem se considerar as demais normas que regulam a matéria. 4. Tal veredito médico, entretanto, não se presta a legitimar a imediata exclusão do impetrante da lista de classificados para as vagas reservadas, uma vez que, nos termos do art. 43, § 2º, do Decreto n. 3.298/99 (vigente à época do certame), a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato deverá ser aferida apenas durante o estágio probatório. 5. Assim também pareceu ao douto Subprocurador-Geral da República AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS, em cujo opinativo fez assinalar que “A previsão da lei estadual de perícia médica a fim de, não só atestar a deficiência física arguida, como também aferir a compatibilidade entre o cargo e a deficiência, contraria o Decreto n. 3.298/99, que, em seu art. 43, § 2º, estabelece ‘a equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório'”. 6. A jurisprudência do STJ, em casos a este assemelhados, vem sufragando o entendimento de que a aferição da compatibilidade entre a deficiência e as tarefas a serem desempenhadas pelo candidato seja diferida para o período de estágio probatório, nos termos do que preconiza o comando do art. 43, § 2º, do Decreto n. 3.298/99. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.213.386/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 4/2/2019; REsp 1.777.802/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 22/4/2019; AgInt no RMS 51.307/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 27/11/2017. 7. Recurso ordinário provido. Ordem concedida.
(STJ – RMS: 51880 SP 2016/0226939-7, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 06/10/2020, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/2020)

Se você é candidato PCD em concursos públicos, fique atento aos seus direitos e procure a ajuda de um advogado especializado caso seja prejudicado pela perícia médica.

*Artigo publicado originalmente na página JusBrasil.

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